quarta-feira, 26 de março de 2014

Dona Flor e seus dois maridos

Brasilia,  20 de fevereiro de 2014.

Caros Amigos,
Envio-lhes,  finalmente, a resenha do texto do Jorge Amado,  com vistas à nossa reunião do próximo dia 24/02, ás 10 horas.  O abraço do
Antonio A. Veloso

TEXTO:  “Dona Flor e seus dois maridos”,  de Jorge Amado, Editora Companhia das Letras, 1966, 469 páginas.




O autor, o baiano Jorge Amado (1912w-2001) ,  fez história no país e em várias partes do mundo, com cerca de 35 títulos famosos, muitos deles traduzidos em dezenas de idiomas e adaptados para o cinema, o teatro e a televisão. Passado nas décadas de 30 e 40,  o texto, como diz o próprio autor,  “conta a história de dona Flor e de seus dois maridos, descrita em seus detalhes e em seus mistérios, clara e obscura como a vida”. Na edição comemorativa dos 100 anos de Jorge Amado, 1912-2012,  o livro vem acompanhado de posfácio escrito pelo antropólogo Roberto DaMatta sob o sugestivo título  de “A mulher que escolheu não escolher”.  De fato, diferentemente do que ocorrre habitualmente nas narrativas  dos grandes amores,  em que a mocinha vive o sofrimento  sem medidas de ter  de optar entre as duas paixões,  dona Flor administra as escolhas e vai ficando com os dois maridos  -  o tresloucado Vadinho,  boêmio, jogador, pobre, beberrão,  e  o farmaceutico Teodoro Madureira,  certinho, ajustado, metódico.   Vencendo as tradições, os preconceitos, as pressões, dona Flor vive plenamente as duas situações, tão distintas e conflitantes:  com Vadinho,  o primeiro marido, a vida exuberante,  a vadiação do sexo,  a insegurança, as noites passadas em claro, atormentadas, mal dormidas,  o ciúme ;   com Teodoro,  a vida pacífica e bem definida, a serenidade, a tranqüilidade doméstica,  o ambiente metódico, o sexo com dia e hora marcada. 
A linguagem do romance é exuberante, repleta de casos e relatos extravagantes, com muito humor e ironia;  o clima é todo ele de uma Bahia mágica, sensual, inebriante,  musical, rica de aromas e quitutes típicos, aguçando os sentidos.  Personagens antológicos,  fictícios ou reais,  emoldurados por muito misticismo,macumba,  candomblé.  Tudo povoado de personagens marcantes e saborosos, prostitutas festejadas,  muito cinismo, muita malandragem, fuxico e carnaval:   Vadinho morre em pleno domingo de carnaval, cercado de amigos e vestido de mulher.  O texto é impiedoso com a hipocrisia e com alguns tipos de pessoas:  “Aquilo não é uma mulher é uma Quarta-feira de Cinzas, termina com a alegria de qualquer um”.
O dilema central do livro  -  “uma viúva apaixonada por dois homens que paradoxalmente são seus legítimos maridos”  é resolvido cinicamente pelo primeiro marido, Vadinho,  que  assim define as coisas: “Eu sou o marido da pobre dona Flor, aquele que vai acordar tua ânsia e morder teu desejo,  escondidos no fundo do teu ser,de teu recato.  Ele é o marido da senhora dona Flor, cuida de tua virtude, de tua honra, de teu respeito humano. Ele é tua face matinal, eu sou tua noite, o amante para o qual não tens nem jeito nem coragem.   Somos teus dois maridos, tuas  duas faces,teu sim,  teu não.  Para ser feliz, precisas de nós dois.  Quando era eu só, tinhas meu amor e te faltava tudo, como sofrias ! Quando foi só ele, tinhas de um tudo, nada te faltava, sofrias ainda mais. Agora,  sim , és dona Flor inteira como deves ser. “

A cozinha venenosa - Silvia Bittencourt

Brasilia, 23 de março de 2014.

Caros amigos do Clube do Livro.
Terminei hoje a leitura do texto para a nossa próxima reunião, dia 24.  Como se vê, em cima da hora (junto os meus comentários).  Abraços,
Antonio A. Veloso



TEXTO:  “A cozinha venenosa”, de Silvia Bittencourt, Editora Três Estrelas, 2013, 330 páginas.

O texto é o resultado de cuidadosa pesquisa desenvolvida pela autora, a jornalista Silvia Bittencourt, radicada desde 1991 na Alemanha,  sobre a importante e práticamente inédita história do jornal Munchener Post, de Munique, que descobriu em 1920 “um senhor chamado Hitler”.  A obra é a biografia do corajoso jornal, que assumiu a postura destemida contra o louco ditador nazista,  desde o início de sua desvairada trajetória nas cervejarias da cidade.  O Post, assumindo uma postura de “enfrentamento suicida e visionário”, tentou abater Hitler desde o nascedouro e por todos os lados, mostrando o monstro que ele era:  criticou-o aberta e impiedosamente, ridicularizou o seu estilo, investigou e denunciou o seu jeito de viver,  acompanhou o seu motorista e guarda-costas,  criticou as suas roupas, denunciou as agressões, os crimes e a matança dos adversários.  Os repórteres do Post foram os primeiros a “explicar” o líder nazista:  “Eles foram os primeiros a sentir as dimensões do potencial de Hitler para o mal”.   Para tanto,  o Post enfrentou uma maratona de ataques físicos, tentativas de assassinatos de seus redatores e jornalistas, inúmeras demandas jurídicas, destruição das instalações, censura, empastelamentos, invasões.  A denominação de “A cozinha venenosa” era uma das formas maledicentes de Hitler dirigidas ao jornal,  chamado também de “Munchener Pest”,   “judeu e marxista”.  Diferentemente do que pensava  a maioria,  seduzida pelo estilo e pela verbosidade do líder nazista,  para o Munchener Post “Hitler era tangível e vulnerável”.   Corajosamente,  já em 1932, antecipou a publicação das diretrizes sobre  a monstruosa “solução final” que era reservada  aos judeus.   O livro é, pois, a história dessa corajosa guerra de um pequeno jornal de Munique contra Hitler:  durante mais de dez anos,  de 1920 a 1933, o Munchener Post enfrentou sem tréguas a batalha diária contra o líder nazista e seus parceiros fanáticos, mostrando claramente quem era Hitler e o que se poderia esperar dele.  A exaustiva e bem cuidada pesquisa da jornalista Silvia Bittencourt mostra em detalhes a história heróica e surpreendente dessa resistência ao nazismo e à ascensão de Hitler ao poder.   Oitenta anos depois, o livro da jornalista brasileira é o primeiro a contar esse fato singular,  que teve por cenário o clima de deterioração econômica do mundo e em particular da Alemanha, as disputas dos partidos de direita e esquerda, a organização de milícias, a violência política e a sua escalada,  diante de um poder público grandemente debilitado.  Calcula-se  que, com a ascensão de Hitler, mais de 45 mil pessoas tenham sido presas na Alemanha em março e abril de 1933,  sendo  que, segundo a historiadora Bárbara Distel, muitas dessas prisões eram arbitrárias e frequentemente motivadas por vingança pessoal.  Observe-e que, com essa perseguição em massa,  os presídios  das grandes cidades alemãs ficaram abarrotadas , surgindo daí os campos de concentração.   Trata-se, portanto, de um texto valioso.