segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Livro - A queda - As memórias de um pai em 424 passos

 livros ("A queda" - As memórias de um pai em 424 passos).

Brasilia, 31 de agosto de 2012.

Amigos.

O texto de “A queda” – As memórias de um pai em 424 passos, de Diogo Mainard, (Editora Record, 2012, 150 páginas), é emocionante e tem início com uma frase contundente,  sem retoques: “Tito tem um paralisia cerebral”.  O autor, nascido em São Paulo em 1962, foi colunista da revista semanal  “Veja”, publicou quatro romances e reside em Veneza, onde nasceu o filho primogênito Tito, em 30 de setembro de 2000, no Hospital de Veneza, no Campo Santi Giovanni e Paolo, conhecido por seus erros médicos.  O Hospital de Veneza errou no parto de Tito, o que lhe acarretou paralisia cerebral.  Os erros cometidos pela obstetra, descritos com minúcias, foram amplamente documentados no processo movido contra o Hospital .  A doutora responsável pelo parto resolveu acerelá-lo de maneira desastrada,  rompendo o saco amniótico no útero de Anna, a esposa de Diogo Mainard:  era um sábado e  “ela queria encerrar o quanto antes seu turno de trabalho.”  A iniciativa inadequada da obstetra, definida pelos peritos como “totalmente imprópria, inoportuna e perigosa”, gerou o esmagamento do cordão umbilical de Tito e ele sofreu uma asfixia e esta lhe causou um dano cerebral, que o impede de falar, andar e pegar objetos com as mãos.  A cesariana emergencial que se seguiu veio também com atraso: Tito nasceu quarenta e cinco minutos depois da primeira queda de seus batimentos cardíacos, quando teria que ocorrer em menos de vinte minutos.  “Tito nasceu verde”.  Diogo viu-o pela primeira vez em um dos claustros do hospital de Veneza, com o “nome escrito em um esparadrapo colado na tampa da incubadora: “Mingardi”.  Ou seja: até no nome o hospital de Veneza errou.  O relato de Mainard, passo a passo desde o nascimento de Tito, é comovente e lúcido, percorrendo a emocionante trajetória até alcançar os 424 passos de Tito, sem ajuda ou queda: “Eu aceitei a paralisia cerebral de Tito. Aceitei-a com naturalidade. Aceitei-a com deslumbramento. Aceitei-a com entusiasmo. Aceitei-a com amor.”  O autor, vibrante e abrangente, envolve a sua pungente história familiar -  Diogo,  Anna, Tito (hoje com 12 anos) e Nico (7 anos)  -  com a história mais ampla da literatura,  da arte,  do cinema, das idéias.    Nesse percurso denso  e substancial, seleciona episódios marcantes da Segunda Guerra Mundial e de suas atrocidades, em particular no tocante às brutais medidas para legitimar o extermínio em massa dos recém-nascidos inválidos e daqueles estranhamente  designados por uma “vida sem valor” e uma “vida inútil de ser vivida.”

Abraços,
Antonio A. Veloso.

O sentido de um fim

Brasilia, 27 de agosto de 2012.

Caros amigos.


O autor, Julian Barnes, é um dos mais elogiados escritores ingleses da atualidade, despontando com o seu 11º. Livro, ganhador do Man Booker Prize de 2011:   “O sentido de um fim”,  Editora Rocco, 2011/2012, 159 páginas.  Trata-se de uma revisita aos anos 60, na década e no país dos Rolling Stones, e mesmo assim falando de um sexo tímido, acanhado:  “Mas não eram os anos 60 ?  Sim, mas só para algumas pessoas, só em certas partes do país.”  O texto é genuinamente inglês, sutil, repleto de ironia, delicado, às vezes cínico e mordaz:  “o casamento é uma refeição comprida e sem graça onde servem o pudim primeiro.”  A narrativa é uma revisita ao passado, reproduzindo as coisas segundo “algumas lembranças aproximadas que o tempo deformou em certezas.” Tony Webster, “aos sessenta e poucos anos, careca e aposentado,” apresenta o resultado das suas investigações sobre “a fragilidade dos alicerces da memória,”  recorrendo às “lacunas de suas lembranças:  se eu não posso mais ter certeza dos acontecimentos reais, posso ao menos ser fiel às impressões que aqueles fatos deixaram.”  Tony Webster vai abrindo o baú das suas reminiscências, desde o tempo de colégio, inicialmente com os amigos Colin  e Alex e posteriormente incluindo o tímido e brilhante Adrian Finn, que terminou cometendo suicídio ainda jovem.   Do grupo,  Adrian era o único que vinha de lar desfeito, mas nem porisso se queixava de ter um estoque de raiva existencial, dizendo-se amoroso com a mãe e respeitoso com o pai.  Era fã e admirador do autor Camus, que afirmava ser o suicídio a única questão filosófica verdadeira.  Tony Webster refletia: “naquela época nos imaginávamos numa espécie de gaiola, esperando para sermos soltos na vida.  Enquanto isso, tínhamos fome de livros, fome de sexo, éramos meritocratas, anarquistas.”  Na Universidade de Bristol, discutiam com o professor de História, Joe Hunt: “o que é a história, Webster?  História é a mentira dos vitoriosos.  Colin:  história é um sanduíche de cebola crua, senhor.  Ela só se repete, ela arrota.  Adrian Finn:  “história é aquela certeza fabricada no instante em que as imperfeições da memória se encontram com as falhas da documentação.“ Tony teve uma namorada complicada, Veronica Mary Elizabeth Ford, que ele imaginava ser virgem porque se recusava a dormir com ele. Foi marcante a visita de Tony à família de Veronica no final de semana,  em que se sentiu fortemente humilhado pelo pai e pelo irmão.  A segunda parte do texto é sobre o período da maturidade, quando se vai descobrindo , por exemplo, que `a medida em que as testemunhas de sua vida vão diminuindo existe menos confirmação, e portanto menos certeza, a respeito do que você é ou foi.”  A narrrativa ganha força e sutilezas, a partir de uma herança inesperada da mãe de Veronica  que faz Tony retomar contato com a ex-namorada e ter revelações sobre Adrian Finn, o amigo brilhante que se suicidou.   O texto é enigmático, atraente, cheio de inquietude.