quinta-feira, 31 de maio de 2012

Livro Nêmesis

Brasilia, 6 de abril de 2012.



“Nêmesis” é o título do elegante  e pungente  texto que acabei de ler do impecável Philip Roth, um dos mais brilhantes escritores americanos (Cia. das Letras 2010/2011, 194 páginas).  O autor, Philip Roth,  hoje com 78 anos e mais de vinte romances publicados, é escritor renomado, com vários e importantes prêmios, sendo o único escritor vivo a ter sua obra publicada em edição completa pela Library of America.  A narrativa de “Nêmesis” é cativante e dolorosa. No ambiente do final da Segunda Guerra Mundial, na comunidade de Nova Jersey, “ao calor asfixiante de Newark”,  descreve, com aflição e sofrimento, a terrível epidemia de poliomelite no verão de 1944, envolvendo jovens e adultos.  È todo o clima da crescente angústia da comunidade chamada Weequahic, em que os pais são alertados pelo Conselho de Saúde para “observarem de perto seus filhos e contatarem um médico se qualquer criança apresentasse sintomas tais como dor de cabeça, garganta inflamada, enjôo, pescoço enrijecido, dor nas articulações ou febre.”  A personagem central de “Nêmesis” é um jovem de 23 anos, professor de educação física, Eugene,  chamado pelo avô de Bucky Cantor  --   atleta dedicado, forte e vigoroso, fiscal do pátio de recreio e responsável pelo grupo de rapazes e moças que ali freqüentavam.  Bucky era dedicado e nutria uma intensa devoção pelos meninos do pátio:  era míope, usava óculos grossos e não tivera acesso ao recrutamento para a guerra, diferentemente de seus dois maiores amigos que haviam sido convocados para combate na Europa.  No pátio, a prova de fogo de Bucky foi quando, numa tarde,  diversos rapazes italianos do ginásio East Side,  entre quinze e dezoito anos, estacionaram nos fundos do pátio e anunciaram: “estamos espachando pólio”.  Bucky enfrentou-os com coragem e decisão: “após o incidente com os italianos ele se tornou um verdadeiro herói, idolatrado como um irmão mais velho e protetor, sobretudo para aqueles cujos próprios irmãos lutavam na guerra”.  É cativante e emblemática toda a atuação de Bucky na evolução dramática dos acontecimentos: “à medida que a poliomelite começa a devastar o grupo de crianças que freqüenta o pátio, não resta a Cantor senão absorver a realidade chocante que o cerca, com toda a sua carga de terror, raiva, pânico, sofrimento e dor.”  A narrativa cresce de impacto e ganha contornos novos e mais emocionantes na ida de Bucky Cantor para assumir cargo de instrutor na colônia de férias para crianças onde trabalhava sua noiva, Márcia, em compahia das duas irmãs gêmeas, no alto das montanhas Pocono (com ar fresco “purificado de todos os germes nocivos”).  “Nêmesis  é texto sólido e perturbante, mostra em Bucky um jovem decente, correto, com boas intenções e firme engajamento.  È doce e tocante o seu amor por Márcia e o relacionamento com as irmãs gêmeas;  são dramáticas as escolhas a serem feitas, diante das penosas e duras circunstâncias.

Abraços.

Antonio A. Veloso.

Livro: Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios

Brasilia, 27 de abril de 2012.

Encantei-me com a leitura de ótimo texto de autor brasileiro:  “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios”,  de Marçal Aquino (Cia. das Letras, 2005/2012, 229 páginas).  

 O autor é paulista de Amparo, nascido em 1958, com diversos títulos publicados desde 1999;  foi roteirista de diversos filmes e o romance ora comentado serviu de base para filme que acaba de ser lançado no circuito comercial, sob a direção de Beto Brant e Renato Ciasca, com Camila Pitanga no papel principal.  O texto me surpreendeu agradavelmente:  é inteligente, bem elaborado e dinâmico, ótima concepção, atraindo vivamente o leitor.  Trata-se de romance cheio de sensações e surpresas, no contexto de uma “cidade de garimpo do interior do Pará, conflagrada pelas tensões de uma corrida de ouro ...”  Os personagens centrais vivem um tumultuado triângulo amoroso -  um fotógrafo vindo de São Paulo, Cauby, uma ex-prostituta , Lavínia,  mulher sedutora, instável e misteriosa,  e um pastor, o pacífico Ernani.  Circulando pelo texto, curiosamente, as “tiradas” e os “ensinamentos” do estranho e pouco hortodoxo filósofo do amor, professor Benjamim Schiamberg,  autor, entre outros, do livro “O que vemos no mundo”.  Também paralelamente aos acontecimentos principais, vai sendo desvendada a paixão platônica entre o Careca  e Marinês, com desfecho surpreendente.  Tudo isso num cenário de conflitos e turbulências  -  ambiente hostil, submundo, disputas entre garimpeiros e uma mineradora  -   com os personagens movidos por razões e forças que não conseguem controlar, ricas de surpresas.  A região,  em meio às tensões e disputas, é quase terra de ninguém, permitindo um pouco de tudo:  prostituição aberta, amores clandestinos, delitos, apedrejamentos e chacinas.  A qualidade e habilidade do autor amenizam e diluem os excessos, de tal modo que a leitura flui naturalmente e com gosto.  O estilo é enxuto, direto, bem articulado, às vezes beirando o cinismo, aberto nas cenas mais íntimas e sensuais.  Para mim, foi uma descoberta de autor refinado, talentoso, consistente, e que consegue conduzir com êxito a difícil travessia de uma “  vertiginosa e acidentada história de amor ... “
Abraços,
Antonio A. Veloso.

Livro O Tempo Voa – 50 anos de uma vida Pe Rafael Vieira

Brasilia, 9 de maio de 2012.


 A sensação é muito boa, a propósto da leitura do delicioso 15º. Livro do Pe. Rafael Vieira, Pároco da Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no Lago Sul, aqui em Brasília: “O Tempo Voa – 50 anos de uma vida” (Scala Editora, Goiânia/2012, 120 páginas).  


O texto tem prefácio primoroso e revisão da paroquiana Márcia Lyra Nascimento Egg, que assinala:  “É um belo, autêntico e corajoso livro de vivíssimas memórias, um verdadeiro ato de bravura de alguém que cresceu o suficiente para não precisar mais mentir sobre coisa alguma”.  Com disciplina ,  o livro foi desenhado de 1963 a 2013, contendo temas específicos e reflexões para cada ano (alegria, sofrimento, liberdade ...), abrangendo os cinqüenta anos de idade do autor, acrescidos dos sete meses prematuros vividos no ventre materno.  Diferentemente do que  o autor procura minimizar, o texto é valioso e rico, embora muitas vezes despojado, revelando coisas íntimas, essenciais e perenes.  Nesse contexto, o autor revela: “Meu humor é terrível. Os amigos que vivem próximos de mim são altamente penalizados pelo meu costumeiro azedume. Divertir é uma das atividades que eu menos realizo na vida, ainda assim compreendo e aceito que se trata de uma benção.  Sorrir faz bem para a alma.  Uma vez eu li que o Espírito Santo é o bom humor da Santíssima Trindade”.  “Um sorriso ensina muito”.   Com humildade e zelo, o Pe. Rafael,  devagarinho, vai colocando as coisas no seu devido  lugar.” Jamais gostei de apanhar de ninguém, mas jamais tive prazer em bater nos outros. A força que busco tem outro poder:  é a força da fé. A força de Deus.”  Com sabedoria, fala em seguida das amizade que construiu desde a sua infância: “Conheço e amo pessoas esplêndidas”... “A amizade é uma experiência completa ... Acho que se pode dizer que ser cristão é ser amigo”.  Reflete, também com força, sobre o discernimento: “Discernir é o verbo que se conjuga para tomar consciência mais profunda do que somos e queremos, do que somos capazes de falar e de fazer... E estou certo de que discernir seja algo muito próximo da oração”.  O Pe. Rafael viveu amplas e variadas experiências, no Brasil e no mundo, que são indicadas com riqueza de informaçõese avaliações, inclusive aquelas que representaram a tentativa de “redescobrir a si mesmo e andar em outra direção.  No capítulo de 1983, por exemplo,  saiu de novo do seminário, dessa vez “com tudo bem planejado e comum propósito bem definido:  eu me sentia vocacionado, era verdade, mas precisava fazer uma experiência concreta de trabalho e de namoro”.  Em 1987, sob o título de vocação,  é relatado o início da sua habilitação para o ofício de jornalista e o tocante episódio de relacionamento com ator da TV Globo, com o grande envolvimento de amizade e o trágico desenlace após o ano em que se encontraram em Roma, sem nenhum comentário da doença que o estava vitimando.  Nos  anos
 de 1990 a 1993, fala com intensidade das viagens a Roma e outros países, fato que mudou a rota da sua vida.  Em seguida, volta ao Brasil e retoma suas atividades e os desafios interiores: “Hipertenso, obeso, compulsivo, sedentário, estressado, eu só conseguia ver problemas na minha frente” .  Em 1998 ,  enfrentou séria depressão: “Não me lembro de ter ido tão fundo no sentimento de vazio existencial“ .  O ano de 1999 é marcante de emoções, especialmente em torno do Papa João Paulo II, a quem foi entregue, na praça de São Pedro, um volume com um milhão de assinatura do povo brasileiro de apoio ao gesto de celebração do ano jubilar de 2000. Define o Pe.Rafael: “Emoção é o nome que a gente dá a todas as vezes em que o nosso ser transborda”.   A análise feita no ano 2000, sobe o amor, é importante e densa:  aos 37 anos, confessa       que ainda o “transtornava um pouco avaliar o namoro e o casamento como possibilidades concretas”.  Não se tratava de insegurança vocacional, pois estava pacificado em suas escolhas: “o que me trazia inquietude era considerar a vida em suas surpresas.”  De passo em passo, enfim.tudo vai se mostrando em crescimento e os prenúncios para 2013, segundo o autor, são de vislumbrar um ano cheio de vigor para a Igreja inteira e de animação
pessoal: “A fé é o meu alimento de todos os dias... O vigor que sinto vem da minha fé...  Minha vida é a expressão absoluta do quanto Deus é bom com os pequenos e os pobres.”  Mergulhei no livro e me encantei!
]
Abraços.
Antonio A. Veloso.

Livros : Tia Júlia e o escrevinhador

Acaba de ser reeditado no Brasil, no contexto da Coleção Folha – Literatura Ibero-Americana, um dos textos mais originais e preferidos do escritor peruano Mario Vargas Llosa, Prêmio Nobel de Literatura:  “Tia Júlia e o escrevinhador”, Editora Objetiva, 1977/2012, 397 páginas.  


Trata-se, na verdade, de romance que foi iniciado em Lima em 1972, continuado em Barcelona, na República Dominicana, em Nova York,  e , após múltiplas interrupções, concluído quatro anos depois e finalmente publicado em 1977.  A narrativa, cheia de humor , descreve um amor proibido, entre Varguitas, de 18 anos, e a tia de 32 anos.  Tem como segundo eixo a história de um boliviano estranho e excêntrico, autor de radionovelas populares,  Pedro Camacho.  As novelas, transmitidas diariamente, alcançaram grande sucesso na Lima dos anos 1950,  até o momento em que o autor, sobrecarregado e desorientado, começa a perder o rumo das coisas, misturando personagens e confundindo enredos, sendo internado em um manicômio sob forte descontrole emocional.  O estado de perturbação é de tal ordem que o autor das radionovelas passa a arquitetar catástrofes e terromotos que matam  os personagens principais, permitindo o recomeço das histórias.  No romance, Varguitas é um jovem jornalista com aspirações literárias, vivendo em torno das duas experiências marcantes -  a convivência com o surpreendente Pedro Camacho, sucesso absoluto na criação das rádionovelas,  e o envolvimento amoroso com a fascinante tia Júlia, quase três vezes mais velha e divorciada.  O texto é altamente criativo, uma caudal  de histórias extravagantes, melodramáticas, truculentas, algumas vezes próximas da caricatura – tudo debaixo de extrema genialidade, antecipando o renomado escritor.  Um mundo exuberante e cativante, que se revela no narrador do livro como “um sentimental propenso aos boleros, às paixões declaradas e às intrigas de folhetim”. Uma referência especial é devida no tocante  às peripécias do inusitado casamento de Varguitas com a chamada tia Júlia, enfrentando a forte objeção da família:  a trabalhosa peregrinação do casal por diversos municípios do interior do país, em busca do Prefeito que se dispusesse a realizar a difícil união, com impedimentos legais.  È como diz Paulo Werneck na precisa apresentação do texto: “A educação sentimental e o aprendizado  da escrita do futuro Prêmio Nobel de Literatura estão entrelaçados neste romance autobiográfico de 1977, um dos mais bem construídos (e cômicos) das letras hispano-americanas”.

Abraços,
Antonio A. Veloso.